Cicloturismo e o Strava: incongruentes!

Há muito estávamos molestos com um debate, que por ser saudável e bem-vindo, carecia de outras interpretações, portanto, eis a nossa. E a opinião a que nos damos licença reside na atual situação da vida condicionada a apps, ou melhor, a pretensa vida condicionada à ilusória ideia da dependência de aplicativos para a efetivação da vida. No nosso caso, nos situamos no Strava.
Foto: Ivan Mendes – Lobi Ciclotur

Primeiramente, somos cicloturistas, e como tais, buscamos a noção de tempo compartilhado, seja com as paisagens naturais e culturais, seja com quem nos recebe no próximo lugarejo, seja com nossas reflexões a cada ciclo do movimento central. Compartilhamos essências.

Não nos importa o tempo objetivo, aquele dedicado a cumprir tarefas, como a de chegar, por exemplo. Para nós, chegar é o que menos importa, o que vale é estar no caminho, apreender dele o melhor e acumular experiências.

Em segundo, enquanto cicloturistas, nos importa absorver uma noção plena de nosso corpo no processo em que se constitui a cicloviagem, ou seja, cada viagem tem a sua complexidade, singularidade, exclusividade, que juntas auxiliam à melhora de nossa capacidade de interpretação do caminho.

Para nós, é o caminho que determina como ele quer que o percorramos, e não o contrário. É uma oportunidade ideal para exercitarmos a humildade, ao notar que é o caminho que permite que estejamos nele, até porque, como diria o grande poeta barcelonês Joan Manuel Serrat, “caminhante, não existe caminho, se faz o caminho ao andar”.

Os anos que a vida nos brindou sobre a bicicleta nos foram generosos, e nos possibilitaram compreender que na essência do cicloturismo reside a humildade, e não a competitividade ou a superioridade de um sobre os demais. Não reside a glória, tampouco a premiação.

Os mais apaixonantes cicloturistas do Brasil e do mundo coincidem sobre o tanto de humildade que carregam, e isto os permite dar voltas e voltas ao mundo, como é o caso, apenas para citar, dos amados Olinto e Rafaela, do mano Arthur Simões, do gigante Albert Sans, do aclamado escritor Charles Zimmermann, entre tantos e tantos outros ciclonautas que se entregam ao conhecimento e autoconhecimento que as cicloviagens promovem.

Nenhum deles, que eu saiba, contou o número de giros ou km, a não ser que fosse com o propósito de orientação e planejamento, sem nenhuma intenção competitiva. Não há média, porque a vida não é uma régua, tampouco cabe em um eixo de abcissas e ordenadas. Enquanto cicloturistas, estamos fora dos cartesianismos empacotados de apps.

Alguns irão nos dizer que é o comportamento equivocado dos usuários que fazem com que o uso app seja mau interpretado. Uma coisa leva a outra, se não houver o mínimo discernimento sobre o papel das pessoas e o papel das coisas.

Ainda que não precise, afirmo, que no cicloturismo buscamos pessoas e seus contextos reais, não coisas numa ficção. Somos de um tempo em que não carecíamos de gadgets para ser, tendo em vista que um gadget tem uma função social de status, segregando pessoas pelo uso da coisa, aliás, esta é a tônica deste momento histórico em que conversamos: coisas significando e qualificando pessoas, ao invés do contrário.

Velocidade e pressa não são a mesma coisa, portanto, para nós, é melhor olhar a paisagem do que olhar para o app. Os apps subtraem as pessoas, reduzem as experiências a dados, gráficos, percentuais, índices e rankings.

É tempo de usar os apps com uma inteligência sensível, a fim de que não nos condicionem e adestrem.

Um app jamais irá qualificar a sua experiência. Jamais irá discernir por você as subjetividades do que está por vivenciar. Um app tampouco irá conseguir traduzir o quão feliz e o grau de realização que você está tendo ao ver tais paisagens, sorver tais vinhos, compartilhar minutos de existência com um autóctone de um lugarejo nos sem-fins. No cicloturismo, não há graus, a não ser os centígrados, os latitudinais e longitudinais.

Os apps categorizam pessoas e suas experiências, competitivamente.

Ah, mas uns amigos meus diriam: eu persigo uma utopia, ou seja, tenho um objetivo a ser conquistado. Ledo engano, seguindo um app não teremos objetivos e sim ficções, e perseguir ficções acaba por distanciar a gente da utopia, direcionando-nos a uma realidade distópica, a uma distopia. E vale lembrar que toda a distopia está caracterizada pelo autoritarismo condicionado, ao opressivo controle da sociedade.

Em grego, a partícula δυσ (dys) significa ‘dificuldade, dor, privação, infelicidade’, o que sugere que uma distopia, em muito, se distancia do ‘ideal para sempre perseguido, ainda que inalcançável’ constante na utopia.

Os apps moldam pessoas a padrões que são a antítese de uma utopia, utilizando a tecnologia, mais uma vez, como uma ferramenta de controle, mais um em nossa sociedade de aparências, solidões e vazios.

Nós sugerimos para todos os que desejam entrar neste universo tão fascinante quanto benfazejo, que o concebam de forma não competitiva, diletante, contemplativo, recreativo, sem cobrança e sem ego na ponta dos pedais.

No cicloturismo não há performance, nem egos.

Horizontes a perder de vista. Crepúsculos e alvoradas sem fim. Uma lâmina flamejante cruza os rincões do Sul do Brasil. O lobo está na trilha!

Um abraço a tod@s!

Por Therbio Felipe M. Cezar

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Lobi Ciclotur
Oi, eu sou o LOBi! Estou aqui para aliar natureza e caminhos alternativos para você e sua família descobrirem o mundo do ponto de vista da bicicleta.