Foto: Doug Oliveira |
Temos tantos colegas ciclistas, homens e mulheres de todas as idades, que fazem acrobacias impensáveis em pistas de BMX, no Freeride, em campeonatos de Downhill e, até mesmo, dominando o vento e a velocidade nas provas de speed. Mas, eles não morrem lá. Ciclistas morrem no trânsito.
Sabe, a frota nacional de bicicletas alcançou, segundo a ABRACICLO, as 70.000.000 de unidades, isso mesmo, 20 milhões a mais que a frota de automóveis. E mesmo assim, ciclistas morrem no trânsito, nas ruas, junto às calçadas, atropelados como aquelas garrafas pet ou as latinhas jogadas de dentro dos mesmos veículos automotores.
Dias atrás, nossa amiga Débora Saliba foi atropelada e morta por um motorista na Avenida Cavalhada, em Porto Alegre, indo para o trabalho.
Débora Saliba – Ciclista atropelada e morta em Porto Alegre |
Entendeu? Ela não foi morta pelo carro, ela foi morta pelo motorista que dirigia o carro. O motorista, fugiu, como sempre, nem ele nem o veículo irão sofrer o que os familiares e amigos estão sofrendo pela imensa falta que a Débora já faz.
E, além da perda atroz de uma jovem senhora de 42 anos, que deixou um filho de 19 e muitos amigos, o noticiário anunciou o fato como acidente. Isso beira ao ridículo! É crime, não se trata de outra coisa, é crime de trânsito. Notícias dadas desta forma irresponsável e banal fazem crer que temos na mídia analfabetos com diploma superior de Comunicação Social.
Nossa cultura rasa trata de banalizar as palavras e fazer questão de não saber usa-las como se deve, levando a conferir a um ato como este a natureza de um imprevisto, um acontecimento casual, um revés, uma ocorrência lamentável.
O condutor (dentro da lei) tem a posse de um documento que o legitima como apto para manejar e conduzir aquele veículo, e ele está ciente da sua responsabilidade em relação aos demais. Então, como fatos como este seguem acontecendo?
O Código de Trânsito, em sua determinação máxima, diz que “o maior protege o menor”, então porque temos virado suas vítimas, senhores condutores de veículos automotores? Não há casos de ciclistas que atropelam crianças na saída da escola, nem tampouco de um atropelamento coletivo ocasionado por uma bicicleta desgovernada na parada de ônibus. Não há.
Não há violência sobre o selim de uma bicicleta. Porém, sobra violência atrás de um volante de um automóvel com um som altíssimo, a toda velocidade, imprópria para qualquer rua ou avenida brasileira, conduzido por um ser humano inapto e inconsequente, um misantropo ignóbil com complexo de piloto, um insano apressado e armado com um veículo de meia tonelada que vitimiza inocentes desarmados.
E esse mesmo condutor, pasme, posta frases de efeito nas mídias sociais, vai à igreja (ou a várias), se diz “homem de bem”, cuida dos filhos e da família para que nada de mal aconteça a eles sem nem se dar conta de que um dia, numa rua ou avenida qualquer, haverá um outro motorista igual a ele, pronto para ceifar, em sã consciência, as vidas de seus familiares, se é que pessoas assim têm consciência.
E as desculpas serão as mesmas: eu estava com pressa, eu não vi, o ciclista estava no lugar errado, acidentes acontecem todo dia…crimes também.
Nós, ciclistas, não desejamos uma cidade onde não possamos ir e vir com segurança, quiçá, com liberdade. Nós ciclistas não desejamos que nada de mal aconteça com motoristas de motos, carros, caminhões, ônibus, nós apenas queremos seguir em frente certos de que chegaremos onde queremos, vivos.
Nosso silêncio e respeito à dor dos familiares.
Nossa voz aos gritos nos ouvidos e nas almas daqueles que insistem em nos ferir.
Por Therbio Felipe M Cezar | Equipe Lobi Ciclotur