Brincalhaço foi convocado pelas redes sociais e reuniu crianças da cidade. Fotos: Antonio Cruz/Agência Brasil |
As filhas de 2 e 4 anos da arquiteta Larissa Villela foram proibidas de brincar no pilotis, o que motivou o protesto |
“Brasília foi construída para ter livre acesso. Sou contra a criança ficar muito em jogo, ligada em televisão. Meu filho, por exemplo, nunca assistiu televisão. Acho que ficar embaixo do prédio é importante, inclusive por uma questão de sociabilidade. Brasília está ficando muito careta, são muitas proibições”, disse a advogada Gabriela Pessoa, mãe de João Gabriel, de 1 ano.
Mãe de Júlia, 2 anos, a servidora pública Kelly Martins também criticou a proibição de uso do espaço. “O pilotis é uma construção em área pública, que não se pode fechar e restringir as crianças de brincar. Claro que há exceções para objetos que possam machucar. Mas vejo que Brasília está numa crescente onda bastante restritiva, como a Lei do Silêncio, que também impede barulhos, sons [no período de 22h às 7h]. Apesar disso, não tem como impedir a criança de ser criança, de brincar.”
Após a polêmica, uma assembleia extraordinária de condomínio foi marcada para discutir novamente o assunto entre os moradores, na próxima semana. Entre os motivos alegados para a instituição da cláusula estão a segurança e a manutenção do edifício. Procurada, a síndica do prédio, Salete Gomes, não atendeu à reportagem.
Iphan diz que pilotis são áreas livres, de uso público, e características de Brasília |
Técnica desenvolvida pelo urbanismo moderno de Le Corbusier, os pilotis são áreas com utilização do térreo livremente, em que o prédio é apoiado no chão por meio de pilares, deixando um vão. O conceito se encaixou perfeitamente nas Superquadras idealizadas por Lúcio Costa para Brasília, como grandes “quarteirões” abertos, maiores que os de uma cidade comum e radicalmente diferentes destes por dispor de “chão livre e acessível a todos”.
A característica da cidade foi destacada pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito Federal, que divulgou nota após a polêmica das brincadeiras no pilotis. “Nunca é demais reiterar que nossa cidade se distingue mundialmente como uma das mais importantes e completas realizações dos preceitos modernos em arquitetura e urbanismo, razão pela qual recebemos a honraria do reconhecimento mundial, pela Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], figurando hoje no rol das realizações humanas a se preservar. Somos também uma cidade cujas características distintivas são protegidas pelo tombamento federal e pelo Governo do Distrito Federal.”
O Iphan ressalta que a liberdade nos usos dos pilotis está diretamente relacionada ao conceito de “novo modo de viver” que Lúcio Costa propôs quando pensou a nova capital. “Uma configuração única que não tem outra razão se não o seu uso – pleno uso – comunitário. Nesse sentido, conceitualmente nos parece bastante evidente que é a sua intensa utilização, por crianças, jovens e adultos, que faz de Brasília ser o que é: uma cidade diferente, vocacionada ao viver cotidiano e aos encontros que não devem ser impedidos por decisões restritivas de usos. Sobretudo, por usos tão explicitamente benfazejos, como o de crianças brincando, vivendo e se desenvolvendo nesses espaços.”
A Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do Distrito Federal (Secriança) acionou o Conselho Tutelar da região para garantir o direito das crianças do edifício e de toda a comunidade.