De mountain bike nos Campos do Quiriri


Foto: Zama

Se fosse por falta de “conselhos” jamais teria feito este pedal. A conspiração contrária é tema incisivo quando o assunto é pedalar sobre os campos e montanhas do Quiriri. E quando digo conselhos são poucos os que te dão um tapinha nas costas e sussurram: vai pedalar no Quiriri, vale a pena! Em contrapartida quando você se defronta com os comentários da cautelosa magistratura dos “diplomados em bicicleta” a sensação é sempre aquela de postergar ou até mesmo abandonar a idéia e assim foi até me cansar de ouvir um “quem sabe no futuro”, por muitas vezes até mesmo proliferadas da minha boca ou redigido pelos meus dedos.

Mas a loucura é um sentimento que acompanha fielmente o mundo do ciclismo e faz com que você escute apenas a voz do coração esperando apenas um sinal pra que faça reascender o desejo semeado no subconsciente. Foi olhando um dia as aventuras do KAMIKAZE DE BIKE que então fiquei surpreso: ele simplesmente no dia mais frio do ano, resolveu subir os mais de 1400 metros do ponto mais alto acessível e familiar do percurso. Aquilo pareceu veloz e contundente e ao mesmo tempo confuso: como pode escalar um local que muitos riders abominam só de escutar o nome, como se fosse um treino a mais da jornada? Foi então que comecei a duvidar e apostar contrariamente a todos aqueles conselhos contundentes e pavorosos que no fundo querem dizer: não faça, você não consegue… vai desistir na primeira lomba de responsa…

Foto: Zama
Isto foi perigoso porque a voz contrária foi intimidada e a favorável ganhou a força necessária para que a faísca necessária inflamasse a vontade de também chegar lá no cume daquelas famosas montanhas de particular paisagens. E eis que surgiu o momento ideal, tal como o Kamikaze viveu com temperaturas mais baixas e céu limpo, perfeito para explorar todo o deslumbre da cadeia de montanhas do Quiriri. A situação se concretizou quando o mesmo Kamikaze publicou uma foto espetacular da Andreia Muraski (ciclista de considerável histórico e respeito) no topo de uma montanha de braços abertos como quem dizia aos quatro ventos: “eu conquistei o topo!”

E porque digo concretizou? Foi a Muraski junto com o Daniel Donatello que insistiram varias vezes para que eu os acompanhasse nesta aventura e simplesmente me acomodei diante da magistratura. Uma pena. Sim eu gostaria que os padrinhos da ideia me acompanhasse, mas infelizmente eles tinham um compromisso na paradisíaca Corupá e de qualquer forma mais do que nunca não auferia considerável moral para exigir isto deles, mas conversamos muito a respeito e projetos se criaram para um futuro proximo em um momento particular e especial que certamente existirá no futuro, mesmo porque, como diria o japa, já estávamos com o sangue nos olhos e o Quiriri teria que acontecer de qualquer forma naquele final de semana.

Eis que no sábado pela manhã, por volta das oito horas, quando estávamos nos preparando já com os carros estacionados próximo a residência e supermercado do Beto (pessoa da maior qualidade possível e que jamais esqueceremos), a nossa base por assim dizer, a cerca de uns 20 km do destino, o Wellyson Chihaya (então líder organizador do pedal e também até então conhecido como Kamikaze) informa a tripulação que o percurso escolhido seria outro. Segundo ele, a subida seria mais branda (?), as trilhas suaves (?) e o trecho um pouco mais longo apenas (?)…

Foto: Zama
Efetivamente devo admitir que foi a melhor escolha. Sobre a questão do “alívio” nem tanto ????. Já logo no inicio quando adentramos a primeira fazenda, encontramos o simpático dono do local com sua esposa cortando algumas lenhas para a jornada fria e o inverno rigoroso que estávamos vivendo. Ele não se importou de utilizarmos sua propriedade para fazer a primeira passagem da trilha orientando apenas que fechasse as porteiras. Vivenciando com mais alegria o rumo da simpática prosa momentânea comentei sarcasticamente se a região possuía onças e a resposta mais que depressa veio: “semana passada pegou três cachorros…” E a aventura estava apenas começando.

O inicio era realmente inspirador e pelo caminho os closes panorâmicos davam um sabor ainda mais aguçado a aventura, tendo como ápices principalmente a presença dos pinheiros do Paraná, trechos de matas nativas ao fundo e muitas paisagens interioranas que amplificam o desejo de ficar por horas e horas apenas observando tudo aquilo. Tivemos uma pequena mudança nos planos, que até nos deu um pouco mais de trabalho: ao chegar em uma das fazendas de propriedade de uma empresa que explora o local para comercio de produtos derivados da estratificação da madeira, o vigia disse muito educadamente que só poderia continuar com autorização e que até seria possível pedir ali por telefone, mas quem disse que tínhamos sinal suficiente para fazer a ligação. O mesmo até nos ajudou informando a existência uma estrada que acompanhava paralelamente a propriedade e que poderíamos também por ela chegar ao objetivo. Retornamos uns setecentos metros do ponto que estávamos e tomamos a bifurcação.

O trajeto no inicio não era penoso, ao contrário, bastante convidativo e prazeroso sempre tendo como companheiro o Rio Negro, que divide os Estados do Paraná e Santa Catarina. Em determinado ponto encontramos uma paradisíaca queda d’agua com uma piscina natural onde desfrutamos de agradáveis momentos deslumbrando sua particular paisagem já um pouco acima do pé da escalada. Era a ultima bateria para incentivar nossa subida que dali em diante teria sempre uma sensação de infinita, quase como um desenho do famigerado Pica Pau em situações de Déjà vu.

Foto: Zama

O desejo era sempre aquele de perseguir obsessivamente escalar em cima da bicicleta, mas dois fatores impediam isto: o primeiro no que diz respeito ao equilíbrio da própria bicicleta que em situações mais anguladas e com o selim alto, propiciam efetivamente a queda. O fato de estar com o clip faz com que a preocupação se torne mais aguda e frequente. O segundo evidentemente está relacionado ao próprio cansaço. Depois de horas e horas sempre subindo, chega um momento que o corpo lhe impõe o próprio limite e adicionado ao problema já mencionado de estar com os pés travados no pedal a sensação toma uma magnitude diferente. Ninguém quer sofrer um acidente naquela altura ou ainda trazer problemas para todo o grupo do pedal. Os kamikazes Wellysson e Deodoro (pai) fizeram quase todas as escaladas pedalando, pois além de ter uma bicicleta Full Suspension apropriada para o deleite, apresentavam excelente condicionamento fisico e conhecimento de causa.

Mesmo tomando todos os cuidados necessários tivemos espaços para quedas e com exceção dos japas todos os outros caíram, inclusive eu em função até mesmo de uma preocupação exacerbada e por vezes até teimando contra a natureza do trajeto: em determinados momentos a bicicleta além de ficar muito angulada enfrentava o problema também da estabilidade sobre o terreno, pois com as pedras soltas e covas oriundas das frequentes chuvas torrenciais que varrem os desfiladeiros, dificilmente você acaba não se deparando com a difícil situação.

A emoção aumenta com nosso terceiro desafio: encontrar uma estrada que nos leve ao trajeto principal do Quiriri. Sim porque chegou-se em um momento que o trilho acabou e a expedição começou a girar por horas e horas em busca de uma saída. Devemos agradecer muito a Garmin por fazer um equipamento auxiliador ao biker aventureiro. Em nenhum momento nos sentimos perdido, mesmo porque o Wellyson tinha um azimute a ser seguido. Mesmo com a estrada interrompida sabíamos qual a direção a ser tomada. Iniciamos então uma varredura pelo local afim de achar uma saída para a situação e numa destas acabamos nos deparando com dois fatos inusitados: o primeiro deles é que sem querer achamos o marco pioneiro histórico da divisa dos dois Estados (Paraná-Santa Catarina) e o segundo (confirmando as vozes do inicio do pedal) pegadas de onça pelo caminho.

Foto: Zama
Depois de muito rodar e estudando o azimute nossa chance maior naquele momento era atravessar pelo meio do completo de montanhas que englobam os campos do Quiriri. O Wellyson procurava uma estrada mas eu insistia (e não por acaso) na travessia pelas montanhas e já rezava para que todos aceitassem a ideia e foi aí que iniciou um dos mais espetaculares passeios de bike já vivenciados, não só na minha confissão mas na da maioria absoluta ali presente. E olha que estamos falando de ciclistas experientes e de bagagem considerável. Certo que foram sete quilômetros (na grande parte dele caminhando), mas foram justamente para se parar obrigatoriamente e curtir tudo o que de belo e “amazing crazys” tem o Quiriri a oferecer. Cruzamos matas ciliares, atravessamos córregos, pedalamos sobre o capão, deslumbramos imagens espetaculares a mais de 1400 metros do nível do mar, pedalamos sobre as nuvens e almoçamos as seis da tarde assistindo um por do sol que dificilmente sairá das nossas mentes algum dia.

O Kamikaze se preocupava principalmente com a Patricia: esta menina, terceiro lugar em competição de Mountain Bike recente, foi guerreira o tempo inteiro. Evidente como qualquer outro da expedição sentiu o cansaço que o desafio exigia, mas em nenhum momento esmoreceu e como nós foi capaz de entender no final a recompensa de toda aquela jornada vivida. Sinais evidentes também compartilhados pelo Sandro e pelo Ale que ajudaram fazer da nossa ciclo-aventura a melhor de todas.

A cereja final da escalada deste bolo ficou por conta da miriade de estrelas que foram nossas companheiras ao retornar para a base. Tínhamos apenas uma luz (a do Wellyson), mas foi o suficiente para voltarmos com segurança e felizes da vida por tudo que até ali vivera e que indiscutivelmente, mesmo com todos os obstáculos, frutos também de uma emoção que se não fosse vivida de tal forma não teria o mesmo gosto, pede o bis tão breve possa nosso louco subconsciente aguçar.

Por zama BIKE © 2016
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Foto: Zama

O conjunto de montanhas que compreende o Quiriri possui cerca de 30 cumes, cuja altura varia entre 1.300 a 1.580 metros. Dessas elevações é possível enxergar o mar e algumas cidades do norte do estado, como Joinville e as montanhas da Serra Dona Francisca, Garuva, Itapoá, São Francisco do Sul e a Baía da Babitonga, sempre em dias de tempo bom.

Quiriri na língua tupi guarani significa “Silêncio Noturno”, e contam os antigos que ali era morada de índios e bugres. Os carroceiros que ali passavam sentido Curitiba escondiam seu ouro nas grutas do Quiriri para não serem assaltados pelos índios, pois as montanhas possuem várias cavernas, e também nascentes de água cristalina.

O local faz parte de uma Área de Proteção Ambiental, que compreende os municípios de Campo Alegre, Garuva e Joinville. Há também uma casa disponível para aluguel por dia. O acesso ao topo das montanhas se dá a 56 km do centro da cidade, por estrada não pavimentada.

Assista o vídeo desta aventura 

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Lobi Ciclotur
Oi, eu sou o LOBi! Estou aqui para aliar natureza e caminhos alternativos para você e sua família descobrirem o mundo do ponto de vista da bicicleta.

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