Gil Sotero e as bicicletas na Europa


A bicicleta completou 200 desde sua primeira versão na Alemanha em 1817 por Karl von Drais e aproveitei para planejar e executar um mochilão a algumas cidades do velho continente para observar como a magrela se integra a paisagem europeia. Meu roteiro consistiu em visitar Paris, Lisboa, Porto, Londres, Berlim e Amsterdam em 22 dias entre janeiro e fevereiro de 2018. O resultado da viagem não poderia ser outro: muitas fotos, experiências estéticas, gastronômica e um bicicleta na bagagem de volta ao Brasil.

Foto: Gil Sotero

De imediato eu sabia do frio que me esperava. Já viajei no inverno a outras cidades e já peguei sensação térmica de -15°C em NYC.  Me preparei buscando as roupas adequadas para enfrentar o frio pois iria fazer muita atividade ao ar livre. Amsterdam foi o ponto alto da minha viagem mas vou começar destacando algumas notas pela ordem das cidades que visitei.

Paris

Cheguei na Cidade Luz e caia uma fina chuva. Olhei para o cima e no topo do prédio mais alto conseguia identificar detalhes das construções. Fiquei no bairro Le Marais, região que era habitada pela nobreza francesa até final do século XIX e mais recentemente ocupado por públicos distintos; as comunidades judaica e LGBT. Uma das primeiras fotos que fiz de ciclistas parisienses foi este registro. Um idoso pedalando na chuva. Com mais de 700 km de vias para ciclistas e com a meta de duplicar essa quantidade até 2020 Paris é uma cidade que convida a pedalar e andar. Fiquei na segunda opção para ter a visão de pedestre sobre o trânsito. Me impressionou o respeito dos motoristas de ônibus aos ciclistas. As várias ruas com velocidade reduzidas (as chamadas zonas 30) e em todas as vezes que pisei numa faixa de pedestre motoristas desaceleraram e me davam a preferência. Paris é como eu imaginei: linda de vários ângulos. Perfeita para se conhecer no tempo do nosso próprio esforço. Mesmo no frio parisiense tomei mais vinho nas praças e parques do que em restaurantes. O Rio Sena tomou a ciclovia a sua beira em uma inundação histórica. A impossibilidade de caminhar à beira do famoso rio não tirou a beleza da viagem. Enquanto isso as bicicletas integravam a paisagem parisiense de forma natural e orgânica como uma pintura.

Foto: Gil Sotero

Porto e Lisboa

Eu já tinha visto o Rio Douro em outra viagem. Foi muito rápido mas decidi que iria voltar. Voltei. Como sou de cidade também portuária (Salvador) o tema náutico me agrada. O Porto foi minha porta de entrada para conhecer e também desmistificar Portugal. É uma cidade para ser conhecida também com a tração humana. A língua portuguesa estampada em cada vitrine e placa é apenas parte de uma grande leitura que começamos a fazer quando começamos a andar pelo Porto. Eu não vi tantos ciclistas pela cidade mas elas circulam entre bondes e ruas com fachadas azulejadas que revelam a origem da bela arquitetura portuguesa preservada em muitas esquinas. A cidade mantém diversos modais de transportes. Peguei o bonde em direção a beleza e aproveitei o sol e dias mais quentes para beber à beira do Rio Douro. De Porto embarquei num trem de longa distância para chegar a Lisboa. A capital portuguesa povoa o imaginário brasileiro há muito tempo. Caminhar ou pedalar pelas ruas de Lisboa é respirar história e lembrar do início da colonização portuguesa em nosso amado Brasil. O Rio Tejo que li em tantos versos se materializou e a cidade que inspirou tantos poetas parecia o lar que tive em outra vida!. Fernando Pessoa descreveu Lisboa em muitos dos seus poemas. “Pelo Tejo vai-se para o Mundo/ Para além do Tejo há a América/ E a fortuna daqueles que a encontram./ Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia.” A bicicleta também circula pela cidade mas assim como no irmão Porto, vi poucas. Pelo que vi as ciclovias estão em avanço para se chegar a 90km, o que é muito timida em relação a outras cidades europeias. De fato a carrocracia viceja e Lisboa devia banir os carros da região central. A preocupação com tonelada de aço buzinando enquanto tentamos ter uma visão geral do casario lisboeta não é legal. Além disso o trânsito e carros estacionados impedem a leitura da cidade. Uma pena pois é impossível não se distrair numa cidade que de tão inspiradora tem sido o destino de migração de muitos brasileiros que se sentiram acolhidos. Amei portugal e quero voltar para fazer uma cicloviagem por ela.

Foto: Gil Sotero
“Em Porto aproveitei para passar o dia em Esposende, que pertence ao distrito de Braga. Esposende teve importante papel durante a monarquia sendo reconhecida de Vila a cidade por D. Sebastião em 1572. Foi lá que vi o pôr-do-sol mais bonito dessa trip e pude experimentar iguarias da culinária portuguesa. No Tapas Bar, a a beira do Rio Cávado, um drink com vinho azul feito pelo chef Diniz Faria, me fez lamentar o pouco tempo que estive por lá e a necessidade de voltar e talvez beber um barril! Esposende com certeza voltarei”.

Londres 

Entrou no roteiro mais por curiosidade de conhecer parte do Reino Unido do que qualquer outro desejo. Confesso que me surpreendi e muito com Londres. De imediato a confusão com a mão inglesa me deu certo pânico. Os ônibus passam rentes a calçada e um leve descuido poderia ser fatal. Mas a cidade é tão elegante que evitei a vida underground do metrô e só caminhei ou usei os famosos ônibus de dois andares que me proporcionaram uma visão ímpar da dela. A prefeitura de lá tem feito de tudo para incentivar as pessoas a usarem os coletivos que incrivelmente peguei vazio em vários momentos. Andar de ônibus em Londres é mais barato que taxi ou metrô  exceto é claro, a bicicleta. Vencido o caos inicial em observar a organização da mobilidade londrina foi a cidade em que mais vi ciclistas entre carros. Inclusive várias dobráveis ágeis e velozes dentre elas o meu sonho de consumo: a famosa brompton. Apesar de tudo o trânsito em Londres em uma bicicleta não é para qualquer turista. A mão inglesa confundiria o pedalante inexperiente. Além disso depois de duas cervejas no pub certamente não seria um boa ideia pedalar e acabar na contramão! Mas nada disso me impediria de pedalar em Londres não fosse o fato do frio e da falta de uma bicicleta fácil. É nítida e visível o incentivo a pessoas usarem a bicicleta por lá. O ex-prefeito Boris Johnson ia pedalando para a prefeitura e em sua gestão a bicicleta teve prioridade. Mesmo assim segundo  dados da agência Transport for London (TfL) o número de ciclistas em 10 anos poderá ser maior do que o de motoristas de carros particulares na região central. Achei Londres elegante, verde e também rebelde e a bicicleta combina demais com ela.

Foto: Gil Sotero

Berlim 

Tinha muita expectativa com Berlim então fui com muita vontade de me perder na cidade alemã. Realmente me perdi pois para sair do aeroporto Schönefeld foi um “luta”. Como não falo nada em alemão e não havia indicações em inglês, somados ao fato de cada linha passar cerca de três trens com destinos diferentes, Berlin foi a cidade que encontrei mais dificuldade de usar o transporte público. Interessante pois os relatos indicavam que seria a mais fácil das cidades. Passado o sufoco preferi caminhar mas se pudesse teria era pedalado e muito pois a cidade conta com mais de 1.000 Km de ciclovias! Não pedalei pois estava guiando um grupo de não ciclistas e tudo fica mais devagar sem a bike. Uma dica que dou aos ciclistas que viajarem a cidade é: não deixem de pedalar por Berlim. Tantas histórias de lutas e guerras além das marcas deixadas pelo nazismo tornam a Berlim uma das metrópoles mais maduras da europa. É impossível não refletir sobre quanto sangue tem aquele solo e quantas histórias recentes de separações, e também reecontros, tiveram suas ruas como cenário. Há uma infinidade de monumentos para serem vistos ao ar livre principalmente o East Side Galery a beira do Rio Spree, com mais de 1 km de arte ao ar livre, criadas na parte preservada do antigo muro que separava o lado comunista do capitalista. A visita a galeria é para ser feita de bike pois somente ela (ao ser usada na via compartilhada com carros) se mantém na distância exata, nem longe nem perto demais, para se apreciar as obras de artistas de várias partes do mundo. Aos finais de semana os mercados de pulgas na cidade se tornam uma atração a parte e no mesmo lugar a cerveja boa, a música e uma infinidade de objetos antigos tornam o passeio mais divertido e interessante do que a qualquer shopping deste lado dos trópicos.

Foto: Gil Sotero

Amsterdam

Todo amante de bicicleta nutre o desejo, mesmo que secreto, de pedalar pela cidade das bicicletas lindas. Graças a propagação de centenas de milhares de fotos em que as magrelas estão presas em corrimão de pontes a beira de um dos inúmeros canais da cidade. Amsterdam nos atraí como as flores às abelhas e o açucar as formigas. Superou minhas expectativas pois em Amsterdam tudo é lindo, inclusive as bicicletas holandesas.

Foto: Gil Sotero

Quando pisei na cidade parecia que estava num cenário de brinquedo. As casas, as cores, transportam a gente direto para a felicidade. As bicicletas desfilavam em minha frente e sua imagem eu observava como uma câmera lenta. É claro que lá eu pedalei e foi na minha bicicleta. A bicicleta dos meus sonhos na cidade dos meus sonhos? Como não amar? Para encontrar a minha magrela procurei nos sites de usados de Amsterdam. No dia seguinte da minha chegada a cidade eu já estava com minha dobrável em mãos, feliz da vida. Uma brompton usada e intacta. Algumas pessoas me disseram que as bicicletas na cidade davam medo pois o fluxo era intenso e os turistas distraídos poderiam ser atropelados. Eu achei exatamente o contrário. As ciclovias são muito fáceis de identificar e muitas delas são bidirecionais então com pedalante a sinalização saltou aos meus olhos como um farol e eu consegui perceber todos os fluxos e direções dos veículos. A cultura da bicicleta é tão forte lá que as pessoas usam bikes com freios contra-pedal e a habilidade com a magrela é percebida em públicos das mais variadas idades. Quem mora em Amsterdam é privilegiado. A cidade inspira a calma, a beleza e paz. É a cidade das bicicletas. A combinação de barcos e bikes me soou tão perfeita que na minha próxima visita  quero me hospedar numa dessas casinhas flutuantes a beira dos canais. Aliás flutuar o que a Amsterdam nos faz. Quantas fotos tirei de detalhes de bicicletas ou de gambicis bem boladas para levar de inspiração. Eu trouxe minha bike para o Brasil e quando pedalo nela sinto que não deixei a cidade. “Aqui não Amsterdam!” já ouvi gente vociferar quando estamos lutando por cidades brasileiras mais humana e mais bikefriendly. Agora a minha resposta sempre será esta: Eu sou Amsterdam.

Por Gil Sotero

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Lobi Ciclotur
Oi, eu sou o LOBi! Estou aqui para aliar natureza e caminhos alternativos para você e sua família descobrirem o mundo do ponto de vista da bicicleta.

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