“Só quem já perdeu alguém que muito amou, sabe a dor que é.” Essa frase ouvi do Navarro, outro dia, enquanto pedalávamos juntos. Motivado pela perda, foi capacitado piloto e instrutor, e hoje busca a conscientização e educação de trânsito, tanto em autoescola, como em curso de formação de instrutor e escolas da rede pública/particular.
Como ciclista, sabe muito bem o quanto a prática está em constante contradição com a teoria, sofre na pele a falta de segurança e luta para que os futuros motoristas não somente aprendam a Lei, mas a respeitem em todos seus aspectos.
Trânsito é assunto sério, porém o humor sempre está presente em suas aulas. Concorrer com o smartphone é um desafio, principalmente quando se trata em ensinar uma lei, o Código de Trânsito Brasileiro. A lei 9.503/97 é cheia de capítulos, artigos, resoluções, conteúdo massante e pra muitos, é “chato”.
Como ensinar algo massante senão através do humor?
Questionar um recém habilitado sobre como foram as aulas teóricas é noventa por cento de chance em ouvir: “Foi cansativo”.
Pensando nisso ele desenvolveu uma aula objetiva, colocando em prática conceitos didáticos. O Detran obriga os alunos aprender quarenta e cinco horas aula de C.T.B. (Código de Trânsito Brasileiro), tendo como conteúdo Legislação, Direção Defensiva, Mecânica Veicular, Psicologia Do Trânsito e Noções De Proteção Ao Meio Ambiente.
Mas não é exigido que para se tornar Instrutor seja obrigatório um curso superior além do próprio curso de Instrutor. A Didática e estratégias de ensino fica por conta de cada profissional. Um reflexo disso é a realidade em que se encontra hoje nosso caótico trânsito.
Autoescolas fingindo que ensinam, alunos interessados apenas no documento, escolas da rede pública/particular sem aulas voltadas para educação de trânsito. São vários fatores que nos fazem hoje matar mais pessoas no trânsito que a também caótica Índia. Mas então como mudar isso?
O Navarro entende que sozinho não mudará nada, mas fazendo o possível para dar aulas com qualidade, não apenas terá seu salário mas também um trânsito local muito mais consciente.
Responsabilidade social.
Mas o que realmente se destaca, é sua fala em relação a Inteligência Emocional. Ele afirma que de nada adianta o motorista saber a Lei, ser habilidoso com as manobras, mas usar o veículo como arma, como instrumento de opressão ou posicionamento social. Em sua aula de Cidadania no trânsito deixa claro o conceito de Indivíduo, Cidadão, Sociedade, Grupo Social, Relacionamento Interpessoal e Q.E. (Quoeficiente Emocional).
Segundo ele: Hoje são muitas as pressões que a sociedade impõe. A pessoa é obrigada a pagar conta, água, luz, aluguel, prestações, comida, roupa, IPTU, IPVA, ser promovido, passar de ano, terminar o curso, ter boas notas, buscar novas especializações, cuidar dos filhos, dos pais… Enfim, quando entra no carro, a mente não está ali, mas sim nos problemas, compromissos, afazeres, etc.
Para dirigir é preciso planejamento, como quem joga xadrez, não adianta mexer uma peça e perder outras cinco, é preciso efetuar uma manobra já pensando em quatro ou mais possibilidades de erro dos outros motoristas.
Nosso oponente no trânsito não é o outro, mas sim o ERRO que ele possa cometer. Ver o outro como oponente nos torna competitivos, mas o que falta lá nas ruas é cooperação. Para isso é necessário estarmos em estado de felicidade.
Quanto mais feliz está a pessoa, maior a chance dela compartilhar gentileza. Então devemos desenvolver a tão esquecida Inteligencia Emocional. O ensino formal de maneira geral preocupa-se muito com o Q.I. (Coeficiente Intelectual), mas infelizmente não busca desenvolver, o tão importante quanto, Coeficiente Emocional.
Desde muito cedo necessitamos dele, com a afetividade, a mãe entende o recém nascido e vice versa, através de sua genética e do interacionismo, torna-se um ser único, um indivíduo. E não somos como muitos mamíferos que depois de adultos vivem sozinhos, precisamos do afeto, contato, relacionamento, “do Wilson”, pra isso precisamos aprender a conviver. É aí que entra a Inteligência Emocional. Agredimos outras pessoas pelo simples fato de projetarmos nelas nossas fraquezas, pois a ofensa é um fracasso pessoal.
No Trânsito xingamos, fazemos gestos, como se aquilo fosse fazer do outro uma pessoa melhor?! Mas estamos apenas perdendo neurônios. O Estresse os mata. Muitas vezes já saímos de casa brigados com alguém. Um farelo na mesa ou uma toalha molhada fora de lugar não podem ser motivos para gritar com quem amamos. O grito é a falta de argumento. Então já saímos de casa com semblante pesado.
Vamos para o trabalho. Não! Antes vamos para o congestionamento. Lá nos estressamos, buzinamos, xingamos, demonstramos o quanto somos infelizes, frustrados com nossas escolhas erradas.
Quais escolhas? Ou um casamento por interesse, um trabalho que não amamos… Mas, quem só trabalha come e dorme, não é considerado um Cidadão e sim um escravo do sistema econômico. Para sermos considerados cidadãos devemos ter direito além do trabalho e moradia, a saúde, educação e a: Recreação e Lazer!
Quantas horas por dia, você pratica algo que lhe dá prazer, que lhe serve como válvula de escape dessas pressões sociais? Pintar um quadro, tocar um instrumento, pedalar, jogar bola, ler um livro…
Pois é nesse momento que você deve extravasar. Não lá na rua, dentro do seu carro, envolto de uma “armadura”, oprimindo, agredindo, ofendendo.
O carro serve para nos deslocarmos, despacharmos mercadoria e recebermos mercadoria. Mas o usamos da forma errada, manifestando nossa frustração, nossa falta de maturidade emocional. Esteja feliz e tenha menos doença, o estresse faz o cérebro trabalhar no vermelho, nos leva a doenças psicossomáticas, como: Dores de cabeça, na coluna, nos ombros, úlcera, psoríase…
O mundo ao seu redor é definido pela forma como o enxerga, ele pode ser o “paraíso” ou o “inferno”, quem manda é você. Use no trânsito sempre mensagens curtas e objetivas, jamais se estenda na fala, dando margem para má interpretação. Nossa comunicação é complexa, usamos fonemas, gestos, expressões faciais.
Uma palavra fora de ordem em uma frase pode originar um conflito, uma entonação de voz diferente pode passar a mensagem errada daquilo que você queria dizer.” (Fragmento da aula do Instrutor Navarro).
Nesse trecho da aula Psicologia do trânsito, é possível refletir sobre nosso comportamento, resgatar a importância do controle das emoções e entender o quanto muitas vezes pequenas atitudes evitam grandes consequências. Ter profissionais na área de ensino, promovendo o conhecimento e a reflexão de Direção Defensiva no trânsito, é essencial para evoluirmos e, quem sabe em breve, termos padrão europeu de qualidade de vida ao nos deslocarmos.