Os Incas
A origem exata desse povo, que construiu o maior império das Américas, é obscuro. Mas achados arqueológicos indicam que os Incas surgiram no século XII, no vale do rio Huatanay, região circundada pela Cordilheira dos Andes. A misteriosa e, talvez a mais importante civilização que pisou o planeta, se formou a partir de um pequeno grupo dissidente de uma tribo indígena, que habitava em alguma parte da cadeia de montanhas peruanas, e migrou em direção do vale.
O Vale Huatanay era uma região já habitada por outros povos andinos, devido ao solo fértil e úmido da localidade, propício para a prática da agricultura. Com mais de 100 km de extensão, 2800 metros de altitude, vários bosques e cachoeiras de águas geladas, o local é um espetáculo para os olhos, além de oferecer condições climáticas e geográficas que favorecem a sobrevivência.
Vale Sagrado dos Incas
Mais tarde, essa localidade passou a ser chamada de Vale Sagrado dos Incas, devido a fertilidade do solo, que possibilitava o cultivo de vários tipos de alimento. O solo peruano, em geral, é pobre em água e oxigênio, impróprio para o plantio, mas o solo do vale é úmido, pois recebe água das nascentes da cordilheira, e é atravessado pelo rio Urubamba. De clima agradável, era comum que ao longo dessa paisagem, uma das poucas áreas verdes da região, se concentrassem povoamentos, ainda muito antes da chegada deles.
No entanto, apesar do clima favorável e solo bom, o fato é que os Incas não se fixaram no vale, optando por se estabelecer em uma das montanhas do entorno, subindo para uma altitude de 3400 metros, onde não apenas a beleza da paisagem é impactante, mas também causa impacto o frio congelante e a dificuldade para respirar.
Cuzco
Mas, mesmo tendo que enfrentar baixíssimas temperaturas e ar rarefeito, eles decidiram se fixar no alto da montanha onde, mais tarde, construíram a cidade de Cuzco. Cidade que se tornaria a capital do Império Inca, e está circundada pelas águas de um rio, considerado sagrado.
Essa escolha é muito interessante, e faz com que surja uma pergunta: Por quê?
Relevo
A resposta pra essa estranha escolha se encontra num conjunto de circunstâncias ligadas a própria paisagem natural do país, que hoje conhecemos como Peru. Uma pequena faixa de terra banhada pelo Oceano Pacífico, que faz fronteira com seis países sul americanos, entre eles o Brasil.
O território peruano é do tamanho do estado brasileiro do Pará, e seu relevo está composto por planície litorânea, uma longa cadeia montanhosa central, e uma extensa região florestal, localizada na extremidade oposta do litoral, porção que faz fronteira com outro estado brasileiro, o Amazonas.
Devido a essa configuração, a temperatura é muito variada e contrastante entre as regiões, apresentando três tipos de clima: Árido (litoral); Glacial (cordilheira) e Tropical (floresta).
Clima Árido
O litoral peruano é um deserto costeiro, continuação do Deserto do Atacama, o local mais seco do planeta. Com raras ocorrências de chuva, e temperaturas de 40 graus, a vegetação é quase ausente, surgindo apenas alguns cactos e pequenos arbustos, em pontos espalhados ao longo da planície, formação vegetal típica dos desertos.
Deserto
Entre a costa litorânea e a cordilheira, há uma distância de 150 km, sendo essa uma faixa extremamente seca, chamada de Deserto Sechura. Uma região tão árida que os rios que passam por ali perdem grande parte do seu volume e chegam secos, ou quase secos, na sua desembocadura, no Oceano Pacífico.
Clima Glacial
A cordilheira está inserida no Vale Huatanay, que apresenta temperatura média em torno de 15 graus. No entanto, no alto das montanhas o frio é extremo, com temperaturas negativas. As chuvas são sazonais, intercalando períodos chuvosos e secos.
Clima Tropical
Na região florestal, de mata fechada, o clima é muito quente e úmido, com chuvas abundantes durante o ano todo.
Com exceção dessa área de mata, que abrange 60% do território peruano, as outras regiões apresentam pouca precipitação, pouca vegetação e número reduzido de espécies animais.
Cordilheira dos Andes
É um bloco rochoso contínuo, com 8 mil km de extensão, que atravessa vários países: Chile, Argentina, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela e Peru. Se trata da maior cadeia montanhosa do mundo, e forma uma divisa natural entre Chile e Argentina. Apresenta blocos muito altos, alguns com mais de 6 mil metros, mas sua altura média é de 4 mil metros. Em sua parte central a cadeia se alarga, formando um grande planalto, chamado de altiplano, onde está situada a porção peruana da cordilheira, conhecida como Andes Peruanos.
Círculo de Fogo
A região dos Andes Peruanos está situada num território bastante instável, propensa a abalos sísmicos, devido a presença de muitos vulcões ativos, chamada de círculo de fogo.
Picos Nevados
Devido a sua grande altitude, os picos rochosos da cordilheira são constantemente cobertos de neve, e parte das águas que formam os rios dos Andes Peruanos, que nascem todos no alto das montanhas, ficam congeladas, formando imensas geleiras. Um dos cenários mais lindos do mundo, onde as rochas parecem se encontrar com o céu e os lagos de águas salgadas espelham o seu azul. A paisagem é fascinante, mas a função das geleiras vai muito além da beleza.
Reservatório de Água
Durante a estação seca as geleiras derretem gradualmente, equilibrando o déficit hídrico. Um mecanismo da natureza que promove o armazenamento de água, nesse caso, em estado sólido, permitindo a distribuição por etapas, nos longos períodos sem chuva.
Flora
A vegetação da cordilheira, assim como no deserto, é praticamente ausente. As poucas formações vegetais encontradas são rasteiras: alguns tipos de gramíneas e capim, que servem de alimento para as espécies animais nativas desse bioma.
Fauna
Essa quase ausência de vegetação influencia diretamente sobre a fauna. Ou a falta dela. Somente poucas espécies podem ser encontradas na cordilheira, como alguns mamíferos ruminantes: lhama; alpaca; guanaco e vicunha. Camelídeos da família camelidae, parentes próximos dos camelos do oriente.
Os camelídeos são espécies herbívoras, que se alimentam basicamente de capim, apresentado uma divisão nas patas dianteiras, com dois dedos cobertos por casco, que permite a escalada de terrenos íngremes, como as encostas das montanhas. Também apresentam uma quantidade maior de hemoglobina, a proteína do sangue responsável por levar oxigênio às células e tecidos, característica que permite que eles suportem o ar rarefeito das grandes altitudes.
Água
A falta de vegetação não afeta apenas o clima e a fauna local, mas também dificulta seriamente a obtenção de alimentos, devido a pouca ocorrência de árvores frutíferas. Todos os povos andinos tiveram essa dificuldade, e para compensar essa falta, desenvolveram a agricultura de subsistência.
Porém, as plantações exigem água.
E os Incas tinham plena consciência disso. Assim como conheciam profundamente o ciclo hídrico e as necessidades do solo para que dele fossem retirados os alimentos. Foi nisso que eles se basearam, ao decidirem se instalar no alto de uma montanha, cercada por um rio, e próxima de uma turfeira, um tipo de mangue, associado aos biomas montanhosos. Uma aposta arriscada, que foi responsável por torná-los a maior e mais poderosa civilização das Américas.
Civilização Inca
Os Incas sempre trabalharam em grupo, dividindo as atividades. No início, se dedicaram a construção de moradias de pedra para se abrigar, e a domesticação da lhama, usando-a como transporte e carregamento de cargas, retirando também sua lã para tecer roupas e protegerem-se do frio. Para melhorar a oxigenação sanguínea, e suportar os males causados pela altitude, mascavam a folha da coca, que passaram a plantar, junto com o algodão.
As encostas das montanhas foram usadas para o plantio, inaugurando a agricultura vertical, em degraus. Para facilitar a irrigação, desviavam o curso dos córregos. E para garantir que não faltasse água para a plantação nos períodos de seca, construíram as amunas, uma rede de canais que desviava a água coletada da chuva e das geleiras para terrenos onde ocorria a infiltração para o subsolo, voltando a superfície meses depois, promovendo a manutenção hídrica o ano todo.
Pastoreio Rotativo
Criavam animais, mas para não desgastar o solo e – permitir que se recuperasse -, usavam a técnica do pastoreio rotativo, alternando o local do pasto, para que pudesse se regenerar.
O Império Inca
A base do Império Inca era a agricultura, porém eles eram experts em engenharia e arquitetura. Toda a cordilheira é recortada por trilhas, pavimentadas em pedra. Assim, como foram expoentes na fabricação de artesanatos e jóias. O idioma falado era o quéchua, e apesar de não se comunicarem na forma escrita, é bem provável que essa comunicação ocorresse na forma de símbolos e desenhos, encontrados fartamente nos objetos de cerâmica, fabricados por eles, e também nas paredes dos templos. Os Incas são os precursores e pioneiros das indústrias metalúrgicas e têxteis.
Mas o seu principal legado é relacionado ao meio ambiente. Sempre trabalhando em harmonia com a paisagem natural, com profundo respeito pela natureza e seus ciclos, eles foram responsáveis pela introdução dos primeiros conceitos de preservação ambiental e sustentabilidade, na nossa cultura.
Divisão Social
A sociedade inca era muito parecida com as sociedades atuais, dividida em castas, ou classes sociais, com uma figura centralizadora do poder, o chefe de estado, que nesse caso era representada pelo imperador. Os “impostos” eram pagos ao templo, em forma de serviços ou produtos. As divindades eram muitas, e todas relacionadas com a natureza, mas a maior divindade era o Sol.
O Apogeu
Apesar de todas as condições adversas, os Incas se tornaram um rico e poderoso império, entre os anos de 1200-1500, com a população ocupando toda a área em torno de Cuzco. Por volta de 1400 atingiram o seu auge, com quase 15 milhões de habitantes. Mas como esse aumento era crescente, a escassez de água foi se tornando cada vez mais preocupante. Nessa época começou a expansão do território, com a invasão de faixas territoriais distantes pelo exército.
Com o apoio de uma forte base militar, conquistaram quase todo o continente sul- americano, de forma pacífica. O objetivo dessas conquistas não era a simples dominação ou ambição desmedida pelo poder, mas encontrar terras férteis, adequadas para a agricultura em grande escala, próximas de muitas nascentes de água e clima fresco, porém mais agradável que o clima da cordilheira.
Essa busca os levou à conquista de um extenso território, que alcançava até 4 mil km, a partir dos Andes Peruanos. Os territórios conquistados eram anexados ao império, a partir da construção de uma estrada que os ligava até a capital.
O Caminho do Peabiru
Em terras brasileiras encontra-se uma dessas estradas, chamada de Caminho do Peabiru, e liga o litoral de São Paulo à Cuzco. Com 3711 km de extensão, dela partem várias ramificações que passam pelos maiores reservatórios de água do planeta: Chaco Paraguaio, Cataratas do Iguaçú e Serra da Graciosa. Essa rede de canais se espalha por todo o estado do Paraná, como uma teia. E então, surge uma nova pergunta: Essa estrada foi construída, com qual objetivo? O Brasil também já pertenceu ao Império Inca?
Talvez essas perguntas nunca sejam satisfatoriamente respondidas, mas é uma hipótese plausível e bem embasada, levando-se em consideração a paisagem natural do Paraná: um planalto gelado, de terra fértil, com uma floresta tropical no entorno e muitas nascentes de água, que desembocam em uma linda planície litorânea, onde estão localizados inúmeros manguezais. No restante do estado a terra é “roxa”, adequada para o plantio, úmida e com muitos nutrientes.
A existência da estrada é uma evidência que o domínio Inca pode ter se estendido até o território paranaense, mas talvez a continuidade desse projeto, tenha sido interrompido por acontecimentos inesperados.
A Queda
Em torno de 1525, uma epidemia viral (varíola) dizimou a população inca, matando o imperador e seu sucessor. A forte defesa militar ficou enfraquecida, enquanto disputas internas pelo poder deixavam o império ainda mais frágil. Em 1532 chegaram os espanhóis e colocaram a palavra fim, em tudo o que eles construíram com tanta dedicação e esforço.
Turismo Ecológico
Por mais fascinante que seja tudo o que envolve a civilização inca, o que conhecemos é apenas uma parte da história. O legado desse povo misterioso e fascinante vai muito além do que sabemos e do que está escrito. E o Caminho do Peabiru é parte e a chave do mistério que abre a “caixa mágica”. Uma estrada milenar, que guarda em seu percurso muito mistério… e muitas respostas. Ou, talvez, inspire apenas ainda mais perguntas.
Mas isso não importa. O importante é aproveitar o profundo mergulho interior que esse trajeto inspira, e no final do caminho apreciar a sensação de plenitude de conhecer uma paisagem única, uma das mais lindas do planeta, e entrar em contato com o legado de um povo extremamente resiliente, talentoso e muito a frente de seu tempo.
Vamos?
Leia também:
Lobi na RPC TV GLOBO | Caminhos Históricos da Estrada da Graciosa | Cicloturistas em Curitiba passeando com o Lobi I Aventura e Natureza na Estrada da Graciosa I Pedal Curitiba – Morretes – Via Graciosa I Pedalando na Estrada da Graciosa
Somos uma “startup” de ecoturismo, focada em desenvolvimento sustentável, capacitação, implantação e gestão de circuitos para Cicloturismo autoguiado, cicloaventura e turismo de aventura.
Texto: Marisol F.
Produção: Ivan Mendes | © Lobi Ciclotur